"...Eu escrevo para nada e para ninguém. Se alguém me ler é por conta própria e auto-risco.. "

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O CONSUMO DE DROGAS: EVOLUÇÕES E RESPOSTAS RECENTES

 Uma tal evolução é nítida nos últimos vinte anos, também no Brasil. Nos anos sessenta, a contestação "hippie" dá o tom aos movimentos "underground", à busca do belo, do prazeroso, do "flower-power" na terra. A fé nos ideais idílicos de pureza e de bondade, junta-se a experiência de novos modos sensoriais, propiciada pelas drogas psicodélicas. A efervescência intelectual das discussões políticas, a intensidade da agitação cultural, o entusiasmo pela abertura de novos caminhos cosmopolíticos eram acompanhados pelo florescimento de um novo misticismo, oscilante entre o fervor religioso da ingenuidade e o fanatismo sectário de ideologias de partido.
 A droga aí participava pois, não como um elemento desintegrador e destrutivo, mas como uma oportunidade de experimentar novas sensações e chegar-se a novas percepções do universo, da vida, da interioridade humana. 
 Assumiu, simultaneamente, as funções de cimento e de símbolo da vida alternativa propagada, garantia da exploração aventurosa de um mundo colorido, contrastando singularmente com as cores cinzentas do modelo" proposto pelo "sistema" vigente. 
 A evolução da conjuntura econômica das sociedades ocidentais trouxe mudanças profundas neste quadro, relegando ao segundo plano a procura pacata de prazeres floridos e de convivências mais harmoniosas. A recusa do modelo dos pais, a exaltação de novos modos de viver e o militantismo cordial cederam a um desencanto cada vez mais radical, chegando a beirar o desespero e suscitando, ao invés de prazer, violência e auto-destruição. As tentativas de vida alternativa, boicotadas ou recuperadas pela sociedade "liberal", se apagaram diante do impacto da crise econômica, chamando à realidade cruel das necessidades básicas
e à monotonia da luta para assegurá-las - mesmo os espíritos mais engajados. 

 Desiludido, o movimento hippie se desarticula. Mas as drogas continuam aí, prometendo "algo", "algo a mais" - não apenas o prazer, repudiado pelo ritmo implacável da vida social contestada, mas ainda o esquecimento da solidão e das recordações sombrias, além da liberação da angústia, do sofrimento e do vazio. 
 De fato, o esquecimento que a droga propicia, permite fugir de si mesmo, do
seu passado, dos conflitos que marcam identidade e relacionamento, e alimenta a vã esperança de banir em definitivo o espectro da divisão sofrida.
 Mas quem se arrisca em recorrer às drogas, não elimina, pelo fato, os riscos inerentes à vida, individual e social. As drogas usadas se enfraquecem, as doses aumentam, a escalada progride, as "drogas duras" suplantam as drogas suaves de amor e beleza, trazendo em sua bagagem a decadência física e moral, a violência, a marginalização, o suicídio. Após a "lua de mel" das primeiras descobertas, elas levam a aumentar o vazio, o desespero. O consumidor tem que adotar um ritmo mais acelerado, entrando em múltiplas misturas com álcool e medicamentos; a delinqüência, o pequeno tráfico e a prostituição se alastram para garantir o abastecimento em substâncias que cada vez menos realizam o sonho que prometeram; o esquecimento se faz raro, a consciência da decrepitude moral e física se torna intolerável... É o quadro já clássico então do "grande toxicômano" - caso perdido, entulho da sociedade de competição e de consumo.

 Identificar-se com esta sociedade, percebida como essencialmente repressiva e ejetora, representa aí a grande dificuldade. Não se trata mais, pois, de uma recusa da integração social, ressentida como demasiadamente niveladora, mas de uma incapacidade de se perceber e se situar no meio de um funcionamento social de rolo compressor. Se a entrega a um consumo crescente de drogas corresponde a
uma prática silenciosa, não o é apenas em conseqüência de uma recusa de comunicar-se com outrem, mas porque a possibilidade mesma desta comunicação minguou, em conseqüência de uma colaboração nefasta de fatores conjunturais. O drogado, por conseguinte, afasta-se dos jogos do intercâmbio social, mas sem que logre (se é que tenta) em fazer da droga o pivô para uma ideologia nova; não recorre mais a "drogas ideológicas", mas a "drogas duras", com conseqüências muito mais trágicas.
 Apesar da gravidade desta escalada, pode-se chegara um momento onde um pedido de ajuda começa a se formular, onde o desejo de "sair dessa" consegue se concretizar, em um passo tímido, mas talvez decisivo para uma mudança de rumo. Muito dependerá então da receptividade que encontrar, da orientação e "ajuda" que receber, para que uma vida sem droga se torne novamente possível. A longo prazo, a saída é possível, mas o sofrimento pela falta da droga, e também pela incompreensão dos outros, é atroz e fecha tantas portas entreabertas. . .


ass: Richard E. Bucher encontrado na integra em:
http://www.revistaptp.unb.br/index.php/ptp/article/view/1209

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