"...Eu escrevo para nada e para ninguém. Se alguém me ler é por conta própria e auto-risco.. "

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A psicóloga, o vaso sanitário e os vômitos

Um vaso, não o de flores, o de fezes,
é assim que me sinto.

   Estudo psicologia, sou quase uma psicóloga, e muitas vezes, apesar de amar, odeio, tornou-se ambivalente.
   Todas as pessoas do mundo tem angústias e problemas. Eu sou solidária a isto, gostaria de ajudar a todos, mas não posso, e o principal, tenho consciência disto.
   Então alguns muitas vezes acabam criando situações que me incomodam muito me forçando, me expondo ou me impelindo a ter de escutá-las em momentos que não estou apta ou disposta para isto, simplesmente pelo fato de aferirem que por eu ter esta profissão, tenho que estar 24hrs/7 disponível para escutá-las, e não é assim.
   Eu adoro analisar o comportamento humano, escutar histórias de vidas, ouvir as vicissitudes e idiossincrasias humanas, eu adoro mesmo,tentar acolher a dor do indivíduo, amparar seu sofrimento, mas assim, antes de ser uma [quase] psicóloga, eu sou um ser humano também, passivel de dor, angústias, tristeza, desconforto, assim como vocês, e tudo tem seu momento apropriado. Não sou perfeita, tenho sim traumas, manias, sou infantil por muitas vezes, ter estudado o ser humano não me fez uma pessoa além do humano, perfeita, muito menos portadora de todas as respostas do mundo.
   Agora, este momento desabafo é porque me incomodo quando me sinto reduzida muitas vezes a um reliz vaso sanitário, uma privada sem descarga. Basta dizer que faça psicologia, para muitas pessoas, sem mesmo ter o mínimo de intimidade, sem saberem se estou disposta, na verdade, sem nem se preocuparem com isto, desatarem a contar toda a sua vida, suas angústias, seus problemas, fúteis ou não [ nem estou entrando neste mérito], me sinto quase que em um estupro mental. Você pode achar que estou exagerando, mas não é, é esta a sensação que tenho.
   Fico em um dilema que não sei como agir, não sei deixar de afetada com aquela narrativa, contudo, não é sempre que quero ser afetada com a mesma, então muitas vezes me encontro em situações que me angustiam muito.
   Não importa onde, quando, como, se é em uma balada, um barzinho, um velório, na rua, na fila do mercado, vem, vomitam tudo, depois saem, e muitas vezes, não dão nem descarga, não teve nem um Oi, tudo bem, bom dia, como vc esta, nadaaaaaaaa, é apenas o vômito!  As pessoas estão muito egocêntricas, só querem saber de falar falar falar e nao se preocupam mais em escutar. Um total verborragia, vômito de palavras, com ou sem conteúdo, preocupam-se simplesmente em por isso pra fora e não importa onde.
   E eu me pergunto, eu faço o que com esse vômito? Engulo? dou descarga? passo pra frente? porque no chão, ali vomitado, não pode ficar...
   E ao mesmo tempo, eu me pergunto, eu, enquanto estudante, até mesmo, enquanto psicóloga, preciso mesmo ser esta privada?

Um dia estava em uma balada, já tinha tomado alguns drinks, conheci uma amiga de uma amiga, que quando disse que era psicóloga, desatou a contar diversos traumas e problemas que ela tinha na vida dela, até era interessante, mas assim, não era momento!!!!! fiquei sobria na hora, tive que ficar lá pagando de A PSICÓLOGA QUE ESTÁ ANALISANDO PSICANALITICAMENTE seus traumas de infancia, e perdi toda a festa, a minha vontade era de além de cobrar uma consulta, passar o recibo de tudo que eu havia consumido pra ela pagar, porque né... por favor!!!
     Um engenheiro, quando vai para um restaurante, fica medindo a envergadura da calha do telhado do lugar? ele até pode, mas assim, ele não passar um projeto pro dono do restaurante de graça... Eu fico me perguntando, o porque temos sempre que fazer sempre esses atendimentos espontâneos ou não, de graça, vou começar a fazer como minha amiga falou , e logo quando uma pessoa desatar a falar vou retrucar "Desculpa, nao trabalho de graça", mas me pergunto o quanto não me sentiria terrível assim o fazendo, a pessoa mais inescrupulosa do mundo, contudo, o quanto me sinto mal também, com esta "violência" de ter de escutar, estando disposta ou não, as angústias alheias, seja onde, quando e como for.
   Me sinto mal, mas entendo.
   Sou um ser humano, antes de ser um profissional, tenho o direito de não querer ser reduzida a "uma orelha amiga", um "encosta sua cabeçinha no meu ombro e chora", porque assim, estudei 5 anos muito pra isso, passei noites sem dormir, li e reli livros, teorias, e tenho verdadeira paixão em ajudar as pessoas, contudo, não quero ter o meu trabalho desvalorizado.
   Aliás, a questao não é nem o valor do trabalho, mas o meu valor, sei que não vou conseguir ajudar à todos, sei que muitas pessoas ás vezes, só querem ser ouvidas, e que mesmo que eu as escute naquele onde-quando-e-como-for, seria muito terapêutico para elas, contudo a vida é feita de escolhas, e como disse, não vou conseguir ajudar à todos, aliás, será que quero? quando não consigo ajudar nem a mim mesma muitas vezes, será que é egoísmo meu querer me ajudar as vezes? Não querer ser uma privada para o vômito alheio para querer por a minha dor em primeiro plano, ou o meu sentimento em pauta?
   Ninguém caga ou vomita na privada e se preocupa em saber como a privada esta se sentindo aquele dia, apenas vão lá, o fazem, viram as costas e vão embora, e lá fica, a privada, tendo de alguma forma, por aquele dejeto humano esgoto abaixo.

Laila ჱ
Paz & Amor

4 comentários:

  1. Eu ja passei muito por isso que vc ta falando... é só dizer q é psicologo e todo mundo ja começa a falar da vida inteira..... teve uma vez q foi muito emblemática pra mim... quando estava na facu, eu subia e descia a serra todo dia, e numa sexta-feira o ônibus estava lotado e tinha um lugar só.... q era do lado de uma loira espetacular...logo pensei "hoje é meu dia de sorte", mas mal sabia o que estava por vir...
    comecei a conversar com a moça q a principio paraceu bem inteligente e educada, quando eu falei que era psicologo foi o suficiente para desencadear uma conversar sem volta...
    a viagem dura em torno de 1h30m, mas esse dia pareceu uma eternidade! Ela ali mesmo, no onibus, lotado, começou a falar da sua relação familiar e de como ela era infeliz.... falou do pai, da mãe, do irmão, do namorado, nem o cachorro coitado escapou.... chegou uma hora q a situação ficou insuportavel...eu estava cansado, queria dormir um pouco, e ele nem se tocou... continuou falando pra quem quisesse ouvir no meio do busão. Eu estava interessado na conversa porém uma hora deixou de ser legal, parecia mesmo q eu estava trabalhando, PIOR, pareceia hora-extra não remunerada ! - TERRIVEL-

    quando estavamos no topo da serra a garota começou a chorar.... e foi ai q eu entrei em choque ! eu pensei "era só o q me faltava!"... a coisa se prolongou mais um pouco e eu desci no meu ponto e fiquei refletindo sobre o q aconteceu... no dia eu fiquei revoltado, mas hoje eu percebo a coisa de um jeito muito diferente...
    vou tentar fazer um contra ponto dos argumentos q vc utilizou no texto pra poder pontuar melhor as questoes.

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  2. 1- realmente, tem pessoas q naum tem a sensibilidade de perceber que aquele não é o momento apropriado, não querem nem saber, começam a falar e naum param mais... falta de felling total... MAS isso acontece porque aquela questão/sofrimento q ela esta trazendo chegou ao nivel do insuportavel! imagine só... vc ta numa balada ou qualquer outro lugar, vc saiu de casa pra se divertir, pra ver os amigos, pra namorar e etc... mas tem uma coisa dentro de vc que vc naum aguenta mais, um sofrimento ENORME, uma coisa q tira sua fome, seu sono, q te faz infeliz.... e pior q vc naum tem alguem de confiança pra no minimo desabafar... e essa infelicidade é taum grande q vc pega o primeiro conhecido que vc acredita q tem uma predisposição a te ajudar e descarrega tudo nele... triste né ?

    2- uma coisa infeliz no seu texto foi a comparação com o engenheiro... eu entendi o q vc quis dizer.... mas a diferença gritante é q o engenheiro naum trabalha com a dor/sofrimento dos outros....felizmente ou infelizmente nós trabalhamos. Entaum imagine um médico q esta voltando do trabalho e do seu lado acontece um acidente, ou quando ele esta jantando alguem resolver ter um piripaque... o q ele deve fazer? é claro q ele deve ajudar a pessoa. no nosso caso, não temos essa obrigação direta, afinal,uma pessoa não corre risco de morte por ter terminado um namoro, ou por qualquer outro sofrimento psiquico... entretanto essa pessoa ainda sofre... o q devemos fazer? isso é de cada um, é o q chamamos de ética. devemos perceber a situação e fazer a melhor escolha possivel. se vc naum estiver na pegada de ser um o bom samaritano do momento, vc pode dizer "esse não é o momento pra isso...", "não posso te ajudar com isso agora" "pq naum marcamos uma consulta?" "eu tenho um amigo q pode te ajudar..." e assim vai...

    3 outro ponto interessante do seu texto... é a questão de se sentir como uma privada, cheia de vomitos e etc... isso parte da perspectiva de que o q ela tava falando/expondo era um lixo, um dejeto. algo imprestavel e repugnante. porém, esse lixo pra pessoa é muito especial... geralmente se trata dos conteudos mais importantes da vida dela...os seus problemas e segredos... que vc (um estranho) esta tendo o privilegio de acessar... e pode ter certeza, que só pelo fato de vc ter ouvido ela, ela estara melhor...
    e sim, nossa profissão é angustiante, e muito, mas se olharmos o que recebemos como vomito, ela fica muito pior.

    espero ter ajudado, eu naum sou o dono da verdade, mas ja passei por isso... nesse momento eu to morrendo de sono, mas achei q valia a pena escrever isso pra vc, pq quando eu tive duvidas nem sempre teve alguem pra me ajudar...
    mil bjos. e muita coragem ! q naum é facil naum...
    bernaum

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  3. Bernão!!!! Ri alto do caso da loira!! huahauhhauhaua que épico!
    Eu concordo com o que vc falou de que se a pessoa chega ao ponto de desabafar com vc em um local inapropriado é porque já está em um grau de sofrimento enorme, e realmente, caimos na questão de novo de o quanto cabe a você, como [estudante] psicólogo acolher esta angústia mesmo não estando em consulta, ética? acho que é mais na questão humana mesmo, não tanto profissional, nao sei, minha opinião
    a questão de comparar com o engenheiro, foi na questão de cobrar pelo serviço... Constantemente temos esse estigma na nossa profissão, de que somos vilões porque cobramos pra ajudar as pessoas, pra ouvir suas angústias. Eu entendi o que vc falou, e até concordo, e como disse no texto, fico nesse dilema, pois ao mesmo tempo que sei que devo valorizar meu serviço, não me sinto bem de virar e falar "Não, não vou te ajudar se vc não me pagar"
    Achei interessantíssima sua análise da questão do vômito... na verdade não foi essa minha intenção, mas eu achei muito válida também. Quando fiz alusão a um vaso e um võmito, eu quis dizer da questão da verborragia, que as pessoas desatam a falar, e não se preocupam com o outro lado, a "orelha" e que passamos a ser um simples objeto inanimado, que está ali pra ouvir e nada mais, e isto me incomoda, pois me sinto sem valor, pois nem uma opinião posso emitir, ou entao, nem se importam como estou em relação à este discurso, se estou disposta à recebelo ou não, ai vem o vaso sanitário. Não quis necessariamente desvalorizar o conteudo do discurso do individuo, pelo menos nao conscientemente, mas achei válida sua pontuação, bernão, vou pensar sobre isso!
    Laila

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  4. Laila, gostei muito dessa troca e acredito que devemos cada vez mais discutir esses assuntos, ainda mais quando estamos nos formando pra isso... e saiba q esses trocas de figurinha são cada vez mais ricas. hj eu tive o prazer de estar numa reunião em equipe multiproissional e eu acabo aprendendo cada vez mais, de diversos assuntos e diversas perspectivas. Infelizmente a faculdade não da conta de todas as nossas demandas e duvidas, mas pra isso existem os amigos, colegas e etc. fiquei feliz em poder compartilhar com alguma coisa. Seria interessante um encontro dos alunos formados com os alunos que ainda estão se formando.... temos MUITO a conversar.... MIL BJOS ! SUCESSO !

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